“Russo,
o cão peregrino”
(José Francisco)
Tarde de verão gostosa junto
às sombras dos arvoredos, na praça diante da igreja matriz Cristo Rei, em
Canoinhas.
A brisa suave que passava
entre as ramagens dos arbustos em flor, complementava o sabor dos deliciosos
sorvetes que a família degustava.
Um jovem casal tresbarrense
e seus filhos (dois meninos e uma menina) após visitarem algumas lojas,
resolveram descansar um pouco e comprar um sorvete.
A sombra convidativa na
praça, foi a melhor escolha para escapar do sol quente de fevereiro.Enquantam
descansavam, as crianças sentiram-se logo atraídas pela presença de um cachorro
que dormia sossegadamente junto aos arbustos de Azaléia.
Era um cão de grande porte, parecendo ser um policial.Devia ser mestiço.Pois era todo peludo, coberto por uma bela plumagem marrom queimada, quase dourada.E tão logo recebeu os primeiros agrados, o cão se aproximou dócil e amigo.
- Mas como ele é
mansinho!-exclamou um dos meninos.
- E bonito!-completou a
menina.
- Pai, vamos levar ele para
nós.-pediu o menino mais novo.- Este cachorro é muito especial.
- Com certeza tem dono.E não
podemos ficar levando para casa todos os cachorros que encontramos por
aí.-respondeu o pai.
Enquanto os pais conversavam, as crianças continuaram a brincar com o
cachorro, decidindo qual o melhor nome que combinava para o garboso animal.Por
fim decidiram que Russo seria o seu nome.
- Russo?-extranhou a mãe.-
De onde foi que tiraram essa ideia?Veludo ou Lanudo combinaria mais.
- É Russo!- confirmaram os
três.
Apesar dos choramingos e chantagens dos
filhos, os pais não amoleceram.Se despediram do Russo deixando-o na praça e
continuaram o passeio.
Uma semana mais tarde, o casal e as
crianças estavam novamente em Canoinhas e na sorveteria junto da praça.Bastou
se acomodarem numa sombra, para o Russo aparecer.
- Mãe, veja!É o Russo!-
exclamou a menina radiante.
- Será que ele mora aqui na
praça?- desconfiou um dos meninos.
E novamente as crianças se puseram a
brincar com o cachorro que parecia perdido e necessitava de carinho.
O pai já um tanto amolecido pela
insistência dos filhos em querer ficar com o Russo, resolveu se informar com um
motorista do ponto de táxi que ficava ali perto.Talvez ele soubesse de quem era
aquele cachorro.Não demorou muito e o pai voltou em companhia do taxista que
foi logo informando, que aquele cachorro estava vagando pela praça desde o
Ano-Novo.Era um cão sem dono.
O taxista comentou ainda que devido os
foguetórios das festividades de final de ano, muitos cães se assustavam e
acabavam fugindo das suas casas.Alguns conseguiam voltar depois de alguns dias,
mas outros acabavam se perdendo e desapareciam.Lembrou também de muitas
famílias ingratas, que ao mudarem para
outra cidade, acabavam abandonando o animal de estimação à própria
sorte.Acariciando a cabeça do cachorro, disse ainda o taxista, que se ele já
não tivesse um cachorro em casa, teria adotado o Urso (era como ele chamava o
cachorro).
Foi assim que Russo ganhou um novo lar e
passou a residir com a simpática família no centro de Três Barras.
Sua nova morada era uma casa antiga de
madeira, com sótão e varanda.Os beirais da casa ainda eram rendados e neles
haviam entrelaçados os ramos de uma linda trepadeira de flores alaranjadas,
dando um ar nostálgico à casa mais antiga da rua.
Nos fundos da casa o terreno era grande e
espaçoso.Russo tinha sua própria casinha e um bom local para correr e
brincar.Também gostava de passar as tardes dormindo na varanda da casa, que era
sempre ensolada.
Durante algumas semanas, Russo se mostrou
muito amável e obediente.Porém, bastou se acostumar com o local e logo começou
a fugir, saltando muros, cercas ou grade qualquer.
Nada segurava aquele
cachorro fujão.Saía pela manhã, mas retornava na hora do almoço ou ao
anoitecer.Ficava um dois dias sossegado em casa, mas logo fugia novamente.
De repente, numa dessas escapadas, Russo
não voltou mais...
Preocupada, a dona da casa e
as crianças saíram a procurar na vizinhança e acabaram encontrando o folgazão
bem hospedado na casa de uma doceira, que ficava próxima de uma escola.Na casa
da doceira já havia uma cachorra marrom chamada Lassie.
Conversa vai, conversa vem,
a doceira contou que o Russo não incomodava.Havia ficado amigo da Lassie e de
todos da casa.Sempre que ela dava comida à Lassie, alimentava também o Russo.
As crianças agradaram e paparicaram o
cachorro, fazendo com que ele voltasse para casa.Mas, a estadia do Russo durou
pouco.No outro dia já estava novamente na rua.
Um fato curioso começou a acontecer entre o
cachorro e a escola.Sempre que soava o sinal do meio-dia e das dezessete horas,
Russo ia para junto do portão da escola e lá ficava como se esperasse por
alguém.A princípio os alunos se mostraram receosos diante do grande porte do
animal.Mas, com o passar dos dias descobriram a sua docilidade e passaram a
brincar com o malandro.
Houve até um aluno que trouxe uma coleira e
corrente e na saída da escola, amarrou o cachorro e o levou embora.Ter um
cachorro bonito daqueles como mascote, era o sonho de todo garoto.Doce
ilusão!Bastou o menino sair para escola no dia seguinte, que Russo
arrebentou a corrente e fugiu retornando
à casa da doceira.
O casal que o havia trazido para Três Barras
até pensou devolvê-lo ao seu local de origem: a praça em Canoinhas.Porém,
tinham pena de entregá-lo à própria sorte.Tanto o casal, quanto as crianças
decidiram deixar que Russo ficasse livre para ir e voltar.As portas da casa
ficariam sempre abertas para ele teria água e comida, toda vez que resolvesse
aparecer.
Em algumas ocasiões, quando o patrão
retornava do trabalho, com seu automóvel e avistava o Russo perambulando em
alguma rua, freiava, abria a porta lateral e o bichano entrava sem
cerimônia.Acomodava-se no banco ao lado do motorista, como se estivesse usando
um táxi para voltar à casa dos seus donos.
Fujão, bonitão, um garboso animal que amava a
liberdade.Peregrinando nas emediações da escola, entre uma casa e outra,
resolveu adotar uma agência eletrônica como seu novo lar.Quase todos os dias é
possível encontrá-lo deitado feito um
guarda, junto à porta da eletrônica.Outro dia, quando sua dona por ali passava,
avistou o cachorro e comentou com o dono da eletrônica a respeito do malandro.
- Agora ele se chama leão.-
informou o homem.
- Leão?Um russo que virou
leão...-pensou a mulher consigo mesma continuando a sua caminhada.
Enfim, esta é a história de um
cachorro que como tantos outros, vemos a
vagar sem destino pelas ruas e praças, sempre na esperança de um lar acolhedor.
F
I M
(Agosto/2020)
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